PARADIGMAS DA FORMAÇÃO DE GUARDAS MUNICIPAIS – Parte 4/7
Como vimos anteriormente, estamos examinando os velhos e novos paradigmas balizadores da formação de Guardas Municipais no Brasil. Você poderá acompanhar por aqui além de contribuir com seus comentários e relatos de experiências pessoais. Para relembrar reproduzimos o quadro de análise que se segue. Se não leu os artigos anteriores, sempre é possível fazê-lo.
Vamos nos concentrar na transposição do paradigma Do Militarismo Para uma Guarda Comunitária
Diferentemente das postagens anteriores, a abordagem desse tema ficou muito extensa, pela necessidade de se analisar historicamente para melhor compreensão do assunto. Assim vou dividir em duas partes, a primeira aborda o paradigma 1 – militarismo e em outra postagem continuarei e abordarei o paradigma 2 – Guarda Comunitária – ou seja, a situação que temos e uma projeção do tipo de instituição que possivelmente queremos. Talvez isso contribua para melhor definição do treinamento, da formação do Guarda Municipal.
Paradigma 1 – Aspectos de militarismo
Quando visualizamos a estética atual das Guardas Municipais no Brasil, vemos claramente muitas semelhanças em uniformes e procedimentos, costumes e formas de tratamento entre os seus componentes que muito se assemelham ao modo como os militares se vestem e tratam entre si, sejam federais como no caso das Forças Armadas , ou estaduais como as Polícias Militares.
Sou do tempo em que as Polícias Militares eram “consideradas” Forças Auxiliares e Reserva do Exército. Não eram militares na essência, apenas na aparência. Somente com a Constituição Federal de 1988 aparece a expressão de “Militares Estaduais”.
Um pouco de História – pinceladas rápidas
Buscando as origens bem remotas no Brasil, encontramos a influência da vinda da família Real em 1808 acompanhada de toda sua corte e de sua Guarda Real. Enquanto não existiam cidades, apenas povoados e vilas, os problemas eram apenas de escravos fugitivos que como mercadorias diziam respeito aos proprietários de terras. Mas com o avanço populacional as cidades passam a expor seus problemas de convivência urbana tais como bebedeiras, brigas, prostituição, etc. Surge a necessidade de se criar forças que atuassem na ordem pública.
A Guarda Real, era real demais para se misturar e descer de status para cuidar desses assuntos. Criam-se então os Corpos de Guardas, os Corpos de Polícias para tais fins.
É daí que surge a estética de copiar a aparência da Guarda Real, nos uniformes, nos postos e graduações, na hierarquia, mas com missões nas cidades no enfrentamento das questões de posturas municipais.
A própria formação do Exército Brasileiro para as campanhas de guerra contra o Paraguai e as internas para conter revoltosos na Bahia, Maranhão, Canudos etc… se utilizaram na base de jagunços cedidos por fazendeiros.
É interessante notar que se na época de Império, a nobreza era composta de Condes, Barões, Duques etc.., na República como ter títulos de nobreza e quais seriam? É exatamente aqui onde aparecem as patentes vendidas aos Coronéis de Fazenda, para sustentarem as despesas das campanhas e guerras e pagamento de pessoal (seus jagunços que foram cedidos). É bom lembrar da questionável Patente de Capitão concedida a Lampião através de Padre Cícero Romão.
Pulamos agora na história para o ambiente dos Governos Militares a partir de 1964. O que tínhamos na época. Guardas Civis Uniformizadas e em São Pulo por Exemplo a Força Pública, depois denominada de Polícia Militar como assim ficou no restante dos estados brasileiros, exceto Rio Grande do Sul que conservou a denominação de Brigada Militar.
Nesse período as Guardas Civis foram extintas e seus efetivos na maioria dos casos foram incorporados às Polícias Militares. Fico a imaginar que dificuldades, entraves e problemas existiram para o Estado incorporar funcionários municipais que passaram a ser funcionários estaduais.
Agora o ponto crucial que quero examinar com você leitor. A partir da Constituição Federal de 1988 com a recriação de Guardas Municipais. Não somente o respaldo legal, do parágrafo 8º do art.144 de tal dispositivo, mas como essas instituições foram criadas e como passaram a ser geridas. Esse é o ponto em que quero focar.
Muitas , mas muitas mesmo, Guardas Municipais, ao serem criadas, passaram a ser comandadas por militares oriundos da Reserva do Exército, ou da Reserva das Polícias Militares, e algumas por Delegados de Polícia aposentados. Observa-se aqui uma repetição da história desde o início do período republicano do Brasil.
Agora ficou fácil de começar a entender, porque as novas instituições municipais, tiveram seus uniformes, e hábitos, e procedimentos (formaturas, continências, ordem unida…) com influência ou estética militar. Quem as comandou no início passou a usar daquilo que sabia fazer, e replicou verdadeiros quartéis de onde eram oriundos.
Nos anos seguintes houve promulgação de constituições estaduais, e consequente revisão da legislação nos municípios. Se no âmbito estadual, houve uma “reserva de mercado” onde os coronéis passaram com exclusividade a comandar as polícias militares que até então era permitido ser por oficiais do exército, o mesmo aconteceu na legislação municipal, as guardas municipais passaram a ser comandadas com exclusividade por inspetores oriundos de seus quadros de efetivo.
E com isso cessou a influência da estética militar? Não!
Na década de 90 com a criação da SENASP, tanto os generais do exército passaram a ser convocados para gerir a segurança pública, como os coronéis das polícias militares passaram a ocupar os cargos políticos de Secretários de Segurança Municipal e em alguns lugares com outra denominação de Defesa Social.
E isso continua? Sim!
De toda evolução desde a década de 90 até os dias de hoje, experimentando inclusive a criação de um Ministério da Segurança Pública e a insistente implantação de um Sistema Único de Segurança, é forte a presença de militares em todos os níveis Federal, Estadual, e Municipal.
Com a criação do Fundo Nacional de Segurança Pública, o município que desejasse ter viaturas, equipamentos e armamento oriundos do Governo Federal, tinha que se adaptar às regras da União, e as viaturas, equipamentos e armamentos foram padronizados nas cores, na estética, formatos, os mesmos das Polícias Militares – Padrão SENASP.
Constatações atuais que reforçam minha tese
Não é o espaço apropriado para alongar-se sobre o assunto, nem se trata de tese acadêmica onde obrigatoriamente teria de citar todas as fontes que utilizei para gestar esse raciocínio, mas me acompanhe um pouco mais para ver se o que lhe exponho tem fundamento ou base.
Estou falando de um Paradigma, de Estética Militar – não estou dizendo que na essência as Guardas são Militares. Compreenda que existe toda uma legislação que trata dos militares, tanto no nível federal quanto estadual. Mas é possível que a estética reflita toda uma ideologia – Paradigmas – que vai nortear o emprego, a missão, o jeito de atuar, o treinamento. É ai que estamos refletindo sobre Paradigmas da formação.
Examine os pontos que elenco e depois as imagens que apresento, sem nenhuma conotação individual de uma instituição; apenas exponho material farto disponível na internet.
Pontos observados:
• Uniformes, insígnias, inclusive dos comandantes gerais – semelhança de estrelas que se assemelham as utilizadas no Exército, tanto por Polícias Militares quanto por Guardas Municipais;
• Insígnias de cursos e medalhas;
• Uniformes de forças de operações especiais – caveiras;
• Uniformes de unidades de controle de multidões – escudos – cassetetes;
• Equipamentos como capacetes, coletes, inclusive de moto;
• Formaturas, ordem unida, desfiles;
• Continência, saudações, gritos de guerra, canções;
• Viaturas, desenhos, cores, estética;
• Criação de unidades com cães – Canis;
• Criação de Banda de Música.
Agora observe algumas imagens:
Primeiras conclusões
É possível se inferir que: seja pela influência de toda uma construção histórica no período republicano, ou por uma visão pós Constituição de 1988, seguindo uma tendência da atualidade, o Paradigma de Estética Militar influencia fortemente as Guardas Municipais que buscam firmar uma identidade.
Que tipo de nova instituição está surgindo ou sendo construída? Somente o tempo vai responder. Por enquanto, a Constituição de 1988 atribui um papel de “proteção de bens , serviços, e instalações”; e a Lei nº 13.022 apesar de conferir às Guardas Municipais papel na segurança pública, em regime de colaboração, e com vocação PREVENTIVA, assistimos, salvo melhor entendimento, réplicas de Polícias Militares no âmbito municipal.
E por curiosidade, vejamos a experiência de outros países. Convido a examinar a instituição Guarda Nacional Republicana de Portugal.
O que ela é?
• É Guarda;
• É Militar;
• Atua na Segurança Pública em todo território nacional e mar.
Veja a definição colhida na internet sobre essa instituição:
” A Guarda Nacional Republicana é uma força de segurança de natureza militar de Portugal, constituída por militares organizados num corpo especial de tropas e dotada de autonomia administrativa, com jurisdição em todo o território nacional e no mar territorial. Pela sua natureza e polivalência, a GNR encontra o seu posicionamento institucional no conjunto das forças militares e das forças e serviços de segurança, sendo a única força de segurança com natureza e organização militares, caracterizando-se como uma Força Militar de Segurança Pública”. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Guarda_Nacional_Republicana>.
Na próxima publicação, abordaremos o Paradigma 2 – Por uma Guarda Comunitária.
NOTAS E REFERÊNCIAS
[1] Sobre as Guardas Municipais decorrentes de desdobramento da Guarda Real, ver interessante vídeo sobre a história das Guardas em: < https://www.youtube.com/watch?v=XmI11GL4kPM>. Mesmo que seja usado para concursos, vale a explicação.
[1] Sobre a fusão de instituições como em São Paulo – Força Pública e Guarda Civil, ver um pouco da história em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Guarda_Civil_do_Estado_de_São_Paulo>.
[1] Sobre Designação de Militares veja o caso do Paraná – que se repete no Brasil inteiro – Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Guarda_Civil_do_Paraná>. Observe que desde o início do período republicano, militares do exército, oficiais de polícias militares e delegados comandavam as Guardas Civis. A História se repete mesmo após a Constituição Federal de 1988.